Imagética
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Os fotógrafos Pierre Verger (1902 – 1996), José Medeiros (1921 – 1990) e Mario Cravo Neto (1947 – 2009) produziram conjunto significativo de imagens cuja base são as manifestações religiosas dos territórios simbólicos de matriz africana. 

Verger procura explicar, por comparação com a estética vigente, o quanto o ritual está ligado a raízes mais profundas e autênticas que justificam sua legitimidade social. Suas imagens da África fizeram a interlocução com o Brasil registrado de suas lentes, trazendo valores culturais à luz da sociedade.

Assim, embrenhou-se nos terreiros, sem ceder a pressões da imprensa da época que  clamavam para que sua fotografia desvendasse o “exotismo” da vida nos terreiros.

É o fotojornalista José Medeiros que atende essa solicitação e, portanto, produz um dos mais importantes relatos visuais sobre o espaço sagrado, para a reportagem As noivas dos deuses sanguinários, publicada pela revista O Cruzeiro, em 1951. Evidentemente, um título sensacionalista, para tratar dos rituais de iniciação do candomblé.

Suas imagens destamparam a panela do segredo,  propiciando, com isso, escândalos e descobertas próprios ao contexto histórico-social do Brasil dos anos 1950, que começava um processo de familiarização e reconhecimento, ainda que velado, de suas próprias origens. Entretanto, a edição e um forte ambiente de polêmicas desvirtuaram a importância daquelas imagens, naquele momento social da época.

A edição da reportagem vendeu uma visão demoníaca da cultura dos terreiros, e comprada pelo imaginário da sociedade da época,  ao que parece,  é utilizada até os dias de hoje pelos que praticam a intolerância cultural e religiosa.

Essas imagens sucumbiram ao escândalo imposto pela imprensa e se prestaram a reproduzir estereótipos e preconceitos contra as manifestações de matriz africana. É provável que a fotografia dos rituais seja vista com maus olhos também em virtude desse episódio. Mas não se pode desconsiderar, no entanto, o passado de repressão à prática religiosa para a qual as comunidades responderam com preservação dos segredos e clausura.

Anos mais tarde, Medeiros publicou o mesmo conjunto de imagens da reportagem em um livro, também editado pela O Cruzeiro, garantindo os aspectos fotográficos que o norteou. Comentários, legendas e títulos de sua autoria acompanham a edição. O Instituto Moreira Salles, que detém os direitos sobre seu acervo, fez uma belíssima reedição do volume em 2009.

Quando Mario Cravo Neto inicia sua produção fotográfica no tema, a cultura dos terreiros já se integrara à cultura brasileira. As imagens que  ele recria desse universo servirão, assim, para  explicar a sociedade, explicitar o contato com a mítica baiana e seus personagens inseridos nas festas populares e religiosas: os passantes, os malucos de rua e um importante acervo caracterizado por sua experiência e vivência no interior da comunidade de terreiro que frequentou em Salvador.

Com este saravá, palavra que significa cumprimento, propõem-se uma reverência para estes fotógrafos, como o ato de colocar a cabeça no chão em sinal de respeito. Como na fotografia feita por Verger, em Ifahin, Daomé, 1954. Como na fotografia feita por Medeiros, num terreiro da Bahia, em 1951. Elas mostram um marco teórico dos terreiros, na dignidade dos gestos e ostentação das marcas rituais no corpo.  

Cravo Neto, herdeiro e seguidor do olhar comprometido de Verger, ultrapassa as fronteiras de seu “mais velho”, criando uma produção artística considerada, entre os fotógrafos, como “autoral”. Sua fotografia estabeleceu, ao longo do tempo, vínculos com o sagrado – como, em geral, ocorre com os fotógrafos que passam da porteira dos terreiros para dentro. Nesta fotografia/homenagem, de 1992, ele registra Verger, em sua mesa de trabalho.

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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Critica e Produção Cultural para Internet